terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Desafios para conservar as florestas brasileiras


Os primeiros parques nacionais foram criados entre 1889 e 1930, período conhecido como República Velha. O Parque Estadual de São Paulo, hoje conhecido como Parque Estadual Horto Florestal, foi criado em 1896, e em 1911 foram mais dois parques nacionais no Acre. Em 1937 foi a vez do Parque Nacional de Itatiaia e, em 1939, do Parque Nacional do Iguaçu.

A lógica para a criação de áreas protegidas era conservar a biodiversidade, a paisagem, proteger espécies da flora e da fauna e manter áreas intactas para as futuras gerações. O artigo 225 da Constituição de 1988 contemplou essa proteção do meio ambiente como bem de uso comum e fundamental para a vida, enfatizando a importância de sua conservação para o futuro.

Essa é a tônica que passou a fundamentar as leis ambientais criadas no Brasil, levando à adoção do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), em 2000. O SNUC prevê duas categorias de áreas protegidas: i) as áreas de proteção integral (divididas em cinco subcategorias); e ii) as áreas de uso sustentável (divididas em sete subcategorias). Desde então, a política nacional de criação de Unidades de Conservação (UCs) se tornou o principal instrumento de proteção de áreas de vegetação nativa.

Dados de novembro de 2011 do Ministério do Meio Ambiente indicam que existem 52 milhões de hectares de áreas de proteção integral e 55,8 milhões de hectares de áreas de uso sustentável. Isso dá um total de 107,8 milhões de hectares ou 13% do total da área do País, sem contar 43,5 milhões de Áreas de Proteção Ambiental, uma categoria de uso sustentável instituída sobre áreas privadas. A maioria dessas áreas está localizada na Amazônia, no Cerrado e na Mata Atlântica.

Em 2006 foi aprovado o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (PNAP), como forma de dar força à política de criação de unidades de conservação, considerando compromissos assumidos pelo Brasil na Convenção sobre Diversidade Biológica. Até 2010, o Brasil tinha como meta conservar 10% de suas áreas nativas, e a meta para 2020 é manter no mínimo 17% das áreas de cada bioma.

O PNAP incluiu as terras indígenas e territórios quilombolas no âmbito das áreas protegidas brasileiras. Dessa forma, é válido destacar que existem 103,5 milhões de hectares de terras indígenas regularizadas, que somadas as UCs situadas somente em áreas públicas representam 24,8% da área do Brasil.

Adicionalmente, é essencial lembrar que existem ao menos 57 milhões de hectares de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e 194 milhões de hectares de áreas de Reserva Legal situadas em propriedades privadas. Apesar de não serem áreas protegidas no âmbito do SNUC e da PNAP, são protegidas no âmbito do Código Florestal, que devem ser conservadas por conta de suas funções ambientais e do seu potencial para preservar a biodiversidade. Só essas áreas conservadas nas propriedades agrícolas representam 29% da área do País.

Esses números impõem refletir sobre a política de criação de áreas protegidas por unidades de conservação, uma vez que a falta de gestão e estrutura para gerir e garantir a proteção dessas áreas, autorizar pesquisa e visitação onde isso é permitido e fomentar a exploração sustentável de algumas categorias de UCs deixam essas áreas desprotegidas. Na teoria, esse imenso ativo ambiental é protegido por lei, mas na prática, acaba desprotegido em grande parte pela ausência do estado.

A lei prevê que todas as áreas protegidas precisam ter conselho gestor e planos de manejo. Sem essas ferramentas, que pressupõem recursos humanos e financeiros concretos, não é possível criar uma estrutura que permita gerir, monitorar, estabelecer regras para o uso sustentável quando for o caso, autorizar pesquisas científicas e visitação com fins turísticos e educativos nas categorias de UCs, onde isso deveria ser permitido.

Um estudo publicado pela WWF-Brasil em 2007, utilizando um método de avaliação do manejo de áreas protegidas conhecido como Rapid Assessment and Prioritization of Protected Area Management (Rappam) avaliou 246 UCs federais, e apontou que apenas 13% apresentaram alta efetividade de gestão, 36% ficaram na média e 51% foram consideradas de baixa efetividade. Os parques nacionais, que devem ser abertos para visitação e pesquisa, ficaram em terceiro lugar na análise.

Estudo publicado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e pelo Instituto Socioambiental (ISA) em 2011 aponta que na Amazônia Legal, 50% das Unidades de Conservação não possuem plano de manejo aprovado e 45% não têm conselho gestor. A média de funcionários é de uma pessoa para cada 187 mil hectares!

Nesse cenário, o desmatamento ilegal e a degradação florestal, a grilagem de terras, as estradas ilegais e a exploração ilegal de madeira (principalmente no Pará e no Mato Grosso), funcionam como vetores que ameaçam as unidades de conservação e, consequentemente, o cumprimento de seus objetivos como áreas protegidas.

Criar UCs, desapropriar áreas privadas sem regularizá-las e não criar estruturas de gestão funcionais não parece uma estratégia que vise à conservação efetiva dessas áreas. O Brasil discute suas metas de conservação para a biodiversidade até 2020, e a preocupação com a falta de gestão das UCs é um dos temas. No entanto, existem propostas para criar milhões e milhões de hectares de novas áreas.

Sem atacar os vetores do desmatamento, inclusive dentre de UCs, de nada adiantará criar mais e mais áreas protegidas. É válido lembrar que as UCs são criadas por ato do poder executivo, o que significa que é razoavelmente fácil aumentar a extensão de áreas protegidas no papel. No entanto, a realidade brasileira mostra que de nada adiantará expandir essas áreas sem que os vetores do desmatamento sejam atacados com seriedade: a pobreza, a expansão irregular da agricultura, a falta de estrutura e de regularização de terras indígenas e de assentamentos da reforma agrária, a exploração ilegal de madeira, a insegurança fundiária, entre outros fatores.

Quando esses elementos deixarem de ser ameaça para as florestas, e as UCs tiverem estruturas de gestão eficientes, os parques forem explorados de forma sustentável por meio do turismo ecológico, que gere renda e conscientização da população sobre a relevância dessas áreas, a pesquisa científica seja incentivada e autorizada em áreas próprias, as florestas brasileiras, que hoje representam 61% do território nacional, estarão verdadeiramente protegidas.

Rodrigo C. A. Lima, gerente-geral do Ícone, é pesquisador da Rede Agro.