terça-feira, 17 de janeiro de 2012

A respeito do que agride o solo, a água e o ar




Meses atrás, Mario Thadeu Leme de Barros, professor de Recursos Hídricos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, fez uma viagem de trabalho à Suécia, onde conheceu a cidade de Boras, próximo de Gottenburg. Convidado a visitar o sistema local de tratamento de lixo, ficou encantado: com cerca de 100 mil habitantes, Boras tem todos os seus resíduos separados de acordo com a futura utilização, a parte orgânica destinada à produção de biogás (que vai alimentar a frota de ônibus municipal); o que dá para ser reciclado (70%) é feito em centrais montadas com esse fim; e a parte seca (do lixo) incinerada para a geração de energia elétrica e água quente (que será distribuída para todas as residências, beneficiando a população dos rigores do clima escandinavo). O processo de incineração, claro, procura evitar ao máximo a emissão de dioxinas. Moral da história? “Boras conseguiu resolver em quase 100% o problema do aterro sanitário – que só existe para abrigar as cinzas da incineração, quantia mínima”, conta.
Mario Thadeu Leme de Barros também é coordenador do eixo ambiental do SP 2040. Com essa função, é natural que o destino que se dá ao lixo em São Paulo lhe cause preocupação. “Não se pode comparar a cidade sueca com a capital paulista, existe um problema enorme de escala entre elas… Mas, temos de colocar em prática, no município, políticas ambientais cujas metas de curto, médio e longo prazo permitam, por exemplo, resolver o problema do aterro sanitário, ao menos, em 30%”. Mario Thadeu tem o que alertar sobre o que agride o solo, a água e o ar. Confira.

SP 2040: Do que trata o eixo estratégico Melhoria Ambiental?
Mario Thadeu: O foco do nosso trabalho está na melhoria da qualidade da água, da ocupação do solo e do ar. Essa é a tríade de ação do eixo Melhoria Ambiental. Naturalmente, cada um desses tópicos se subdivide em diversas questões.
SP 2040: O que gostaria de chamar a atenção sobre a água, por exemplo?
Mario Thadeu: Quando falamos de qualidade da água, falamos de fato de quantidade – é a água em excesso, relacionada à época das chuvas, que faz sofrer a cidade com as inundações; e também a água em falta, período da seca, quando não há água suficiente nos rios, comprometendo o abastecimento. Temos ainda o problema da água boa para beber e o da geração de esgoto, lançado à água sem tratamento. São todas elas razões de estudo do plano SP 2040.
SP 2040: O que há de mais urgente para ser resolvido em relação ao solo da cidade?
Mario Thadeu: O problema mais sério é a geração dos resíduos sólidos urbanos e o seu destino – hoje a cidade de São Paulo produz 17 mil toneladas de lixo por dia e praticamente a maior parte desse lixo vai parar nos aterros sanitários – o percentual de reciclagem ainda é bem baixo. Pior: áreas para aterro sanitário estão escasseando no município e percorrer grandes distâncias com essa montanha de lixo será um problema insolúvel! Outra questão discutida no plano em relação ao solo é a presença de habitações irregulares, um tipo de ocupação que é encontrada por toda a cidade. O que significa? Boa parcela da população não tem onde morar salvo em áreas de risco, fundo de vale ou encosta. Os números são gigantescos – algo em torno a dois milhões de pessoas vivendo dessa forma!
SP 2040: Qual seria a São Paulo “verde” que o eixo ambiental tem a propor?
Mario Thadeu: Uma questão ambiental importante é a chamada cobertura verde, ou seja, a arborização das ruas e a instalação de valas “verdes” de coleta de água – são medidas que a cidade pode utilizar de modo a recompor a infiltração da água da chuva no solo, por exemplo. Dispositivos que já são aplicados em cidades do Primeiro Mundo e funcionam como parte da solução do controle das inundações. No caso da cobertura verde, aliás, ela também causa efeito benéfico sobre o controle da temperatura ambiente, já que o aquecimento das cidades está intimamente ligado ao processo de formação das chuvas intensas.
SP2040: E quanto ao ar que se respira em São Paulo, o que precisa ser controlado?
Mario Thadeu: O ar também é objeto de estudo do nosso eixo, caso do controle dos poluentes lançados na atmosfera principalmente pela frota de veículos, o que está conectado com a questão da mobilidade, menos espaço para o automóvel e mais para o transporte público… Não tem jeito: se quisermos recuperar o tecido urbano ambientalmente, será preciso falar na redução da frota de veículos em São Paulo.
SP 2040: Acredita que São Paulo é capaz de ter qualidade ambiental no dia a dia?
Mario Thadeu: São Paulo teve um crescimento brutal e sem o menor planejamento… Sim, o desafio é enorme, certamente vou deixar para os meus netos o usufruto de uma cidade melhor do ponto de vista ambiental, mas o importante é planejar as metas que precisam ser cumpridas ao longo do tempo. O plano vai gerar um documento que tem de servir de orientador das decisões de caráter público. E eu torço para que esse documento seja alvo de continuidade administrativa, que seja menos susceptível a mudanças de ordem política.
SP 2040: No passado, muitos planos foram feitos e engavetados…
Mario Thadeu: Certo, mas eles não tiveram a participação pública. É preciso que ocorra uma conscientização da população de São Paulo para exigir dos dirigentes que um plano como o SP 2040 seja respeitado! Precisamos também de instituições capacitadas para gerenciar as conclusões desse plano e – o que é muito importante! – equipes de técnicos à altura de colocar esses resultados em prática. Concluindo: são necessárias metas, estabelecer programas que tenham continuidade e inspirar a participação popular. Porque o SP 2040 tem tudo para mudar o paradigma de um plano que não deu em nada.
(Texto de Marion Frank; foto de Daniel Ramos)