segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

A madeira em tempos de sustentabilidade


A madeira em tempos de sustentabilidade-IV

A madeira em tempos de sustentabilidade-IV
Silvio Colin

Quando o tema da sustentabilidade entrou na pauta dos arquitetos mais conscientes, a utilização da madeira na arquitetura passou a ser encarada com certa desconfiança. Afinal de contas, poderíamos estar indiretamente contribuindo para o desmatamento de nossas reservas, indo enfim de encontro às agendas progressistas relacionadas com o nosso ecossistema.
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Centro Cultural Jean-Marie Tjibaou. Nova caledônia. 1991-98. Arquiteto Renzo Piano.
Uma das mais inspiradas utilizações da madeira na grande arquitetura.
Esta desconfiança, entretanto, é absolutamente injustificável. A madeira possui excelentes qualidades ambientais. Tem baixa energia incorporada[1], se comparada com o aço, alumínio e concreto. È, ainda, dentre os materiais utilizados na construção, o único renovável. Isto quer dizer, com a utilização do manejo florestal sustentável, a floresta de origem continuará oferecendo suas riquezas para as gerações futuras. O mesmo não se poderá dizer do concreto, pois seus componentes agregados, a areia e a pedra britada, são retirados da natureza e transformados de tal maneira que a ela não poderão voltar. Isto sem falar do cimento, grande consumidor de combustíveis fósseis, responsável por grande parcela das emissões de gás carbônico. Isto quer dizer, altíssima energia incorporada.
Casa Helio Olga
Casa Helio Olga, São Paulo, 1990. Arquiteto Marcos Acayaba.
Entretanto, talvez seja o fantasma do desmatamento de nossas reservas florestais, da exploração irracional, predatória e ilegal que assusta aqueles que desejam especificar a madeira em seus projetos. Afinal, o desmatamento é um dos grandes inimigos da sustentabilidade. Tem graves conseqüências além da perda direta dos recursos naturais, como a alteração climática, a extinção da biodiversidade, degradação do solo, influência nas águas, alterando o regime das enchentes, secas e erosões, provocando o deslocamento das culturais locais.
Afinal de contas, historicamente, o Brasil tem o próprio nome ligado à extração predatória da madeira. Lembremos que ainda no primeiro século de vida, o país viu serem extintas as suas reservas de pau brasil, na Mata Atlântica, para fornecer corante para tecidos na Europa.
Casa ConverseyCasa Conversey. Grachaux, França. Arquitetos B. Quirot e O. Vichard.
Um primeiro controle nos vem dos tempos do Império. A conhecida expressão “madeira de lei”, que em sentido amplo designa madeiras que, por sua qualidade e resistência, principalmente ao ataque de insetos e umidade, são empregadas em construção civil, naval, confecção de móveis de luxo, instrumentos musicais e artigos de decoração[2], tem origem remota, em uma lei imperial que, apesar de muito conhecida, não tem definição técnica. A Carta de Lei de 15 de outubro de 1827, incumbia aos juizes de paz das províncias a fiscalização das matas e zelar pela interdição do corte das madeiras de construção em geral, por isso chamadas madeiras de lei. A circular de 5 de fevereiro de 1858 designa as madeiras cujo corte era reservado, mesmo em terras particulares. Portanto, o corte de madeiras de construção, comumente denominadas madeiras de lei, estava interditado quer em terras particulares, quer em terras devolutas.[3] A expressão madeira de lei chegou até nossos dias ainda como sinônimo de madeira de construção, civil e naval, ou seja, conforme o dicionário Aurélio: “madeira dura ou rija, própria para construções e trabalhos expostos às intempéries”. Madeira de lei pode, ainda, se referir àquelas madeiras de alto valor no mercado.
Casa Bandeira de Mello, Itu SP, 2003. Arquiteto Mauro Munhoz.
Casa Bandeira de Mello, Itu SP, 2003. Arquiteto Mauro Munhoz.
Há que considerar, porém, que a madeira utilizada para construção, seu uso mais nobre, é apenas uma parte das árvores abatidas nas nossas florestas, aproximadamente 30% do total de toras. 37% são consumidas como carvão vegetal e 17 % como lenha industrial, o uso mais servil. Lâminas e compensados são responsáveis por 7%.[4]
Pode entretanto o arquiteto se precaver contra a utilização de madeira ilegal especificando, recomendando, exigindo, dependendo da etapa do empreendimento, madeira certificada, isto é, oriunda de processos sustentáveis de extração.
madeira 20004
Casa Loblolly. Ilha Taylors, Maryland. Arquiteto Kieran Timberlake.
Mas o que é madeira certificada? É a madeira que possui um atestado de um órgão reconhecido que garante ser oriunda de um processo produtivo manejado de forma correta. A certificação serve também para orientar o consumidor ou empresário a escolher um produto diferenciado e com grande valor agregado, que contribui para o desenvolvimento social e econômico das comunidades florestais.
Dentre os vários sistemas de certificação, o FSC (Forest Stewardship Council- Conselho de Manejo Florestal) é hoje o selo verde mais conhecido e aceito em mais de 75 países de todos os continentes. Este conselho foi criado como resultado de uma iniciativa para a conservação ambiental e desenvolvimento sustentável das florestas do mundo inteiro. Seu objetivo é difundir o uso racional da floresta, garantindo sua existência no longo prazo e certificar que o produto foi resultado de um manejo florestal sustentável.
Casa na Praia Brava, Ubatuba SP, 2007. Dal Pian Arquitetos.
Casa na Praia Brava, Ubatuba SP, 2007. Dal Pian Arquitetos.
Por sia vez, “manejo florestal sustentável” consiste em um controle rigoroso do processo extrativo da madeira. Começa com a seleção árvores a explorar: somente as árvores sadias, de diâmetro igual ou superior a 45 cm podem ser abatidas. As árvores remanescentes são reservadas para o ciclo de corte seguinte. Durante o corte, a queda da árvore é ajustada de maneira a evitar que ela venha a danificar outras. Estabelece-se também os ramais de arraste para levar as árvores extraídas até o pátio.
madeira 20001 - Cópia - Cópiamadeira 20001 - Cópia
Casa Península Vitória. Austrália. Arquiteto Sean Godsell.
O tratamento pós-exploratório consiste nos cuidados com a área de onde foi retirada a árvore. São chamados tratamentos silviculturais. Consistem em limpeza, desbaste de árvores não comerciais, plantio de enriquecimento com espécies comerciais. Estes tratamentos podem aumentar significativamente o crescimento e valor das árvores, podendo mesmo até ser o crescimento duplicado. È avaliado também o impacto sobre a floresta remanescente e sobre o solo, o desperdício, e aplicadas medidas de proteção florestal, proibindo a caça, pesca e qualquer atividade extrativa. Incluem também o controle de incêndios e invasões. A infra estrutura estabelecida para o manejo, pátios, estradas primárias e secundárias, bueiros, pontes etc. fica como um acervo da região.
Parafraseando a anedota pecuária, que diz que do boi somente se perde o berro, da madeira não se perde nada. É um excelente material estrutural, que durante séculos foi o único que admitia o serviço de flexão, versatil e resistente material para acabamentos externo, utilizável em toras, tábuas, “shingles” e réguas; pode ser utilizado como material de cobertura, e é ainda é o mais belo e utilizado material de revestimento interno, em lambris de réguas e folheados. Com os devidos cuidados, pode o arquiteto desfrutar deste material, de sua beleza, de suas propriedades estáticas e de sua versatilidade, sem nenhuma culpa.


A madeira em tempos de sustentabilidade – III


Madeira transformada

A indústria de transformação da madeira produz diversos tipos de produto, dos quais citamos a seguir os principais.
Madeira compensada – Pode ser laminada ou sarrafeada. No primeiro caso, as lâminas são retiradas do lenho das árvores em um torno desenrolador depois de amolecido com água ou vapor. Estas folhas são coladas cm resinas sintéticas, alternando o sentido das fibras. No segundo caso, o miolo da chapa é composto de sarrafos, e não de folhas. A madeira compensada é utilizada para, mobiliário, revestimento de tetos e paredes, esquadrias e divisórias, formas de concreto.
Compensado sarrafeado e compensado laminado. Imagens e
Madeira reconstituída - O tecido lenhoso é primeiramente reduzido a fitas, lascas ou flocos depois reconstituído por pressão usando como ligante a uréia, a caseína ou resinas sintéticas ou mesmo sem ligante, contando apenas com a lignina, própria das fibras. Estes produtos têm suas propriedades químicas e físicas controladas, podendo ser mais ou menos densas, mais ou menos resistentes a ataque de agentes químicos ou biológicos, e tendo em vista a aplicação a que se destina. Atualmente é grande a diversidade de produtos de madeira transformada, sobretudo na forma de painéis para uso na construção civil e indústria moveleira, resultado sobretudo da necessidade de preservação das reservas florestais nativas e imposição legal da obrigatoriedade de reflorestamento para a comercialização da madeira.
Diversas são as classificações adotadas para as madeiras transformadas, que variam quanto ao processo de fabricação, propriedades físicas e químicas e destinação. Damos a seguir uma descrição dos produtos mais importantes.
1 – Madeira compensada
Durante muitos anos o compensado foi o painel de madeira mais importante produzido e consumido no Brasil. Com instalação inicial no Sul do país por volta dos anos 40, a indústria deste setor baseava-se nas florestas naturais de Araucária, embora tenha atingido níveis significativos de produção apenas na década de 70. Os compensados surgiram em escala industrial após o desenvolvimento de um sistema capaz de laminar, ou folhear, a madeira.

Moveis de compensado
O painel compensado tradicional é composto por três ou mais lâminas torneadas, unidas uma perpendicularmente à outra com adesivo ou cola, sempre em número ímpar, de tal forma que algumas propriedades físicas e mecânicas se tornem superiores às de madeira original (a contração, por exemplo, é quase totalmente eliminada).
Quanto à matéria-prima utilizada, estima-se que 60% do compensado nacional seja produzido com madeira tropical, enquanto que os outros 40% seja produzido com madeira de florestas plantadas nas regiões Sul e Sudeste (particularmente o Pinus), incluindo o tipo “combi” (face em madeira tropical e miolo em madeira de Pinus).
Criação original utilizando compensado. Imagem
Os maiores consumidores de compensados são os fabricantes de móveis e os construtores civis. O valor desse produto varia de acordo com as espécies e a cola utilizada, com a qualidade das faces e com o número de lâminas que o compõe. Há compensados tanto para uso interno, com colagem a base de resina uréia-formol, utilizados pela indústria moveleira, quanto externo, com colagem à base de fenol-formol, utilizados normalmente na construção civil. Chapas finas de compensado apresentam algumas vantagens sobre as demais madeiras industrializadas, pois são maleáveis e podem se curvar. Na indústria moveleira são empregados principalmente na produção de armários, roupeiros, tampos de mesa, laterais de móveis, braços de sofá, fundos de armários e de gavetas, prateleiras, pisos e portas residenciais internas.
Os painéis compensados apresentaram um acentuado declínio em seu consumo, no ano 2000, provocado pela perda de mercado para o MDF e para o aglomerado. O crescimento da produção foi absorvido pelas exportações, uma vez que o produto brasileiro tem expressiva participação no mercado mundial.
No Brasil, os compensados são tradicionalmente divididos conforme sua fabricação em dois tipos[1]: multilaminados (plywood), formado por lâminas de madeira). e sarrafeados (blockboard), formado por duas lâminas de madeira externas e miolo sarrafeado.
Segundo as normas brasileiras, conforme o local de utilização, as chapas de compensado podem ser classificadas em: IR (interior), IM (intermediário) e EX (exterior). Além desta classificação, há uma outra que atende às normas e que também é utilizada pelo mercado em geral. Nessa classificação, os compensados são subdivididos quanto ao seu uso, conforme apresentado a seguir:
Compensados de uso geral – São chapas de madeira compensada, multilaminada ou sarrafeada, e cujo adesivo empregado na sua fabricação a restringe ao uso interno, utilizando o adesivo uréia-formaldeído. Este tipo de chapa tem grande aplicação na indústria moveleira. Os painéis tem espessura mais comuns variando entre 3mm e 25mm, podendo chegar até 35mm. As dimensões usuais são: 2,20m x 1,60m.

Compensado para formas de concreto. Imagem
Forma de concreto – São chapas de madeira compensada, multilaminada, e cuja colagem é à prova d’água, à base de adesivo fenol-formaldeído admitindo-se portanto o uso exterior. Este produto é largamente empregado na construção civil. São fabricados com acabamentos distintos relacionados com sua destinação e uso. São fabricados nas seguintes dimensões: 1,10 x 2,20 m, espessuras 6, 10, 12, 14, 17 e 20 mm. 1,22 x 2,44 m, espessuras – 6, 10, 12, 15, 18, 21 mm. Podem ser: Plastificados, permitindo uma maior reutilização (cerca de sete vezes); Resinados, permitindo cerca de duas reutilizações.
Formas para concreto de compensado. Imagem
Decorativo (compensado laminado) – Estas chapas recebem na sua superfície uma lâmina de madeira considerada como decorativa, e a colagem deve ser do tipo intermediária, ou seja, podem ser utilizadas em locais de alta umidade relativa, e eventualmente entrar em contato com a água. O uso final deste produto é principalmente na fabricação de móveis.

Compensado decorativo. Imagem < woodenconcepts.net>
Industrial – A chapa do tipo industrial é aquela que possui a menor restrição em termos de aparência da superfície, mas é exigida boa resistência mecânica e o adesivo utilizado deve ser do tipo à prova d’água. A utilização do produto é muito ampla, destacando-se a embalagem.
Naval – São chapas classificadas genericamente como de uso exterior, colagem é à base de adesivo fenol-formaldeído (cola à prova d’água), com alta resistência mecânica e montagem perfeita. Destinam-se normalmente ao uso em aplicações que exigem o contato direto com a água.
Painel estrutural – Utilizado em construção civil, na chamada “construção seca”, para paredes divisórias externas e internas e mesmo lajes de mezaninos. É composto de miolo de madeira maciça, laminada ou sarrafeada, contraplacado em ambas as faces por lâminas de madeira e externamente por placas cimentícias em CRFS (Cimento Reforçado com Fio Sintético) prensadas. O processo de industrialização dos painéis constitui-se da prensagem especial dos componentes a alta temperatura, resultando em um produto de características técnicas de comprovada qualidade. A principal vantagem do painel estrutural é a maior resistência do painel à flexão estática no sentido paralelo ao seu comprimento. Dimensões 2,50 x 1,20 m, cm espessura de 40 mm.
Painel estrutural
Piso de mezanino feito com compensado estrutural. Imagem
2 – Madeira reconstituída

Aglomerado. Imagem
Aglomerado (Particleboard – Painel de partículas) – São painéis compostos de partículas de madeira ligadas entre si por resinas sintéticas (geralmente uréia-formaldeído). Sob ação de pressão e temperatura, a resina polimeriza, garantindo a coesão do conjunto. As partículas mais finas são depositadas na superfície, enquanto que aquelas de maiores dimensões são depositadas nas camadas internas. No Brasil, é utilizada principalmente a madeira de Pinus na fabricação do aglomerado, embora em princípio não haja restrições quanto ao uso de outras espécies. Dimensões mais comuns 1,83 x 2,75 m e 2,10 x 2,75 m, com espessuras variando de 9 a 25 mm.
MDF. Imagem Wikipedia
MDF (Medium Density Fiberboard) – painel de fibras de média densidade) – São painéis reconstituídos formados a partir da redução de madeira a dimensões básicas (fibras). Essa redução ocorre através de processo termo-mecânico, procedendo-se, posteriormente, ao reagrupamento dessas fibras através da adição de adesivo (resinas sintéticas), para então, através da prensagem, serem formados os painéis. Semelhante ao aglomerado, o MDF produzido no Brasil utiliza-se basicamente de madeira de florestas de Pinus. Dimensões mais comuns 1,83 x 2,75 e 2,10 x 2,75 com espessuras variando de 3 a 35 mm.
OSB
OSB (Oriented Strand Board – painel de flocos orientados) – São painéis produzidos a partir de flocos (ou lascas) de madeira relativamente finos,aproximadamente 1 mm, com larguras e comprimentos variando entre 10 e 50 mm. As chapas são formadas geralmente de várias camadas, sendo que nas camadas externas, os flocos apresentam o mesmo sentido, enquanto que na camada interna a orientação dos flocos é perpendicular às camadas da superfície ou aleatória. No Brasil, o OSB é produzido também em madeira de Pinus. Dimensões 2,40 x 1,20 m e 2,50 x 1,25, com espessuras de 9,12, 15, 18 e 25 mm.

Chapa de Fibra (Hardboard) – As chapas duras ou chapas de fibra são painéis de alta densidade produzidos por processo úmido utilizando-se calor e pressão sem a adição de resina. Dentre os painéis de madeira reconstituída é o menos consumido mundialmente e sua tecnologia de fabricação é considerada poluente e obsoleta. São utilizados pelas indústrias moveleiras, de construção civil e automobilística. No Brasil a madeira utilizada para a fabricação desse painel é o eucalipto, proveniente de florestas plantadas. O processo produtivo das chapas de fibra envolve um elevado volume de água que é adicionado à fibra de madeira de eucalipto e, depois, retirado com a ação de calor e pressão, fazendo com que as fibras do eucalipto fiquem consolidadas em chapas de madeira. É um processo termomecânico, sem a adição de resinas que não a lignina, resina natural do eucalipto. As chapas de fibra fabricadas têm espessura que varia de 2,0 a 6,0 mm, e as dimensões das placas são 1,85 x 2,44 m, 1,85 x 2,75 m ou 1,85 x 3,05. Podem ser apresentadas lisas, perfuradas, com pintura a base de água em uma das faces ou com pintura melamínica.