sábado, 2 de abril de 2011

Bom senso: Deveríamos repensar a política nuclear brasileira

Deveríamos repensar a política nuclear brasileira


Autoria: Roseli Ribeiro - 20/03/11 - 20:23


Pouco conhecida e menos ainda debatida, a lei nº 6.453/77, que trata do desenvolvimento e uso da energia atômica no Brasil ganha destaque em razão do acidente ocorrido na Usina Nuclear de Fukushima, no Japão. Para abordar o tema o Observatório Eco entrevista o advogado Adriano Celestino Ribeiro Barros. Formado em Direito pela UCSAL (Universidade Católica do Salvador) e com pós-graduação em Direito Privado pela UNYAHNA (Instituto de Educação Superior).



De acordo com o especialista, a Comissão Nacional de Energia Atômica, tem todo o “controle da atividade nuclear” no país. Trata-se de uma autarquia federal criada em 1956, vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia, que planeja, orienta, supervisiona e fiscaliza, estabelece normas e regulamentos em radioproteção e licenças ambientais.



A legislação que rege a matéria no Direito brasileiro é uma lei anterior à Constituição Federal de 1988, a qual promulgou a Convenção de Viena sobre Responsabilidade Civil por Danos Nucleares no nosso direito e tem causas de excludentes da responsabilidade civil por danos no âmbito da energia nuclear.



Adriano Celestino Ribeiro Barros ressalta que “em relação à responsabilidade civil dos danos nucleares não foi adotada a teoria do risco integral como até hoje se pensava na sociedade”. Assim, a teoria em vigor é a do risco administrativo que admite excludentes de responsabilidade em caso de dano nuclear.



Portanto, ao excluir pelo menos um dos três elementos, que configuram a responsabilidade objetiva do Estado, vale dizer: a conduta, o dano ou o nexo de causalidade, a responsabilidade objetiva é afastada. “Dessa maneira, basta excluir um dos elementos mencionados para retirar a responsabilidade objetiva estatal no âmbito nuclear”, alerta.



Adriano Celestino Ribeiro Barros estudioso do tema avalia que o acidente japonês mudou completamente o rumo da história, acerca da energia nuclear no mundo. Para o especialista, no âmbito nuclear o Brasil tem que “repensar urgentemente a política energética”. Ele defende também que as regras do licenciamento ambiental podem ser revistas, criando novas condicionantes ou obrigações ambientais no Brasil. Veja a entrevista que Adriano Celestino Ribeiro Barros concedeu ao Observatório Eco com exclusividade.



Observatório Eco: Qual a função da Comissão Nacional de Energia Atômica no Brasil? Qual a legislação que rege a matéria aqui? Existem regras internacionais que devemos também obedecer?



Adriano Celestino Ribeiro Barros: A União tem o monopólio da mineração de elementos radioativos, da produção e do comércio de materiais nucleares, sendo este monopólio exercido pela Comissão Nacional de Energia Atômica, uma autarquia federal criada em 10 de outubro de 1956, vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia.



É um órgão superior que planeja, orienta, supervisiona e fiscaliza, estabelece normas e regulamentos em radioproteção e licenças ambientais, dessa maneira esta tem o controle da atividade nuclear no Brasil.



A legislação que rege a matéria no Direito brasileiro é uma lei anterior à Constituição Federal de 1988, a qual promulgou a Convenção de Viena sobre Responsabilidade Civil por Danos Nucleares no nosso direito pátrio e tem causas de excludentes da responsabilidade civil por danos na seara da energia nuclear.



Esta é a lei nº 6.453/77 que no artigo 8º, ao tratar da a responsabilidade civil por danos nucleares e a responsabilidade criminal por atos relacionados com atividades nucleares e dá outras providências, diz que “O operador não responde pela reparação do dano resultante de acidente nuclear causado diretamente por conflito armado, hostilidades, guerra civil, insurreição ou excepcional fato da natureza”.



Quando a Constituição Federal de 1988 no seu artigo 21, XXlll, “d”, dispõe acerca da responsabilidade civil do dano nuclear, em nenhum momento afirma, de maneira clara, que em relação ao dano nuclear foi adotada a teoria do risco integral.



Observatório Eco: Em caso de acidente provocado por erro de operação a Eletrobras Eletronuclear responde pelos danos provocados em terceiros?



Adriano Celestino Ribeiro Barros: No caso de erro de operação, a Eletrobras Eletronuclear, em nosso entender, responde objetivamente com fundamento na teoria do risco administrativo pelos danos provocados em terceiros.



Pois, quando se fala em responsabilidade objetiva na seara nuclear, devem ser analisadas e compreendidas duas teorias: a teoria do risco integral e a do risco administrativo, as quais discutem se admitem ou não excludentes de responsabilidade civil no Direito Nuclear Brasileiro.



A teoria do risco integral não admite qualquer excludente para afastar a responsabilidade do Estado. Entretanto, esta teoria é aceita no Brasil em caráter excepcional e apenas nos casos de danos ambientais.



Já a teoria do risco administrativo admite excludentes de responsabilidade como é o caso do dano nuclear. Assim, ao excluir pelo menos um dos três elementos, que configuram a responsabilidade objetiva do Estado, vale dizer: a conduta, o dano ou o nexo de causalidade, a responsabilidade objetiva é afastada.



Dessa maneira, basta excluir um dos elementos mencionados para retirar a responsabilidade objetiva estatal no âmbito nuclear.



A doutrina majoritária apresenta, em rol aberto e a títulos de exemplos, algumas excludentes da responsabilidade objetiva na teoria do risco administrativo que são: a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito e a força maior.



Portanto, em relação à responsabilidade civil dos danos nucleares não foi adotada a teoria do risco integral como até hoje se pensava na sociedade.



Afirma-se, com certeza, que foi adotada a teoria da responsabilidade objetiva e mais tecnicamente a teoria do risco administrativo, que aceita excludentes de responsabilidade.



Quem defende que o ordenamento jurídico brasileiro adotou a teoria do risco administrativo tem que aceitar excludente de responsabilidade, pois a teoria do risco integral não admite excludente. Porém, há autores que defendem a teoria do risco integral com excludente. Entretanto, isto não é possível, pois se admitir excludente será risco administrativo e não risco integral.



Observatório Eco: Se um acidente nas usinas brasileiras fosse provocado por causas naturais, como no Japão, a Eletrobras Eletronuclear responderia integralmente pelo dano de espalhar radioatividade no meio ambiente? A União também poderia ser acionada?



Adriano Celestino Ribeiro Barros: Caso um acidente nas usinas nucleares brasileiras fosse provocado por causas naturais, como aconteceu no Japão, a Eletrobras Eletronuclear responderia integralmente pelo dano de espalhar a radioatividade no meio ambiente por dois motivos.



Primeiro porque “causa natural” no Direito Nuclear Brasileiro não é excludente específica de responsabilidade prevista na Lei nº 6.453/77 e nem no Decreto nº 911/93, os quais regem o tema. Segundo, devido ao dano ambiental adotar a teoria do risco integral.



Dessa maneira, podem ser acionadas na Justiça tanto a Eletrobras Eletronuclear, na qualidade de empresa de economia mista prestadora de serviço público, quanto à União, ambas em solidariedade passiva para repararem o dano ocasionado ao meio ambiente neste caso hipotético.



Observatório Eco: A Comissão Nacional de Energia Atômica no Brasil após o acidente em Fukushima admite que as regras do licenciamento ambiental das usinas podem ser revistas. Ou seja, o licenciamento ambiental foi um equivoco? Seria o caso de paralisar as atividades da usinas brasileiras até se ter certeza das normas jurídicas e de segurança? Inclusive suspender a construção de Angra III?



Adriano Celestino Ribeiro Barros: A Comissão Nacional de Energia Atômica no Brasil depois do acidente em Fukushima admite que as regras do licenciamento ambiental das usinas podem ser revistas, pois o acidente nuclear japonês mudou completamente o rumo da história, acerca da energia nuclear no mundo.



O Brasil não pode e nem deve ser exceção em fazer testes de segurança às suas centrais nucleares e ficar na contramão da história. Assim, tem que ser repensado urgentemente a política energética brasileira em todos os níveis de pessoas responsáveis por esta energia, pela sociedade e também em todas as funções do poder: Executivo, Legislativo e Judiciário.



A fim de ser revisto completamente o que foi feito até hoje e as novas formas de aumentar ao máximo a segurança do risco de acidente com a energia nuclear. A repensar, portanto, o futuro da política energética no Brasil, isto com o propósito de ficar no nível de segurança dos países mais desenvolvidos nesse tipo de energia no mundo.



Nós percebemos a fragilidade, que ainda temos no manuseio dessa energia em nível mundial, depois deste acidente em um país altamente preparado e com tecnologia de ponta como a do Japão.



Dentre os vários aspectos, que precisam ser discutidos como prioridade sobre este tema, está à necessidade urgente de revisões de segurança nas usinas nucleares brasileiras já existentes e as que estão porvir.



Deve o Brasil ter atitude de fazer também mudanças na legislação em nível internacional através dos Tratados e também nas legislações que já regem o tema no Direito Nuclear Brasileiro.



O licenciamento ambiental é uma Política Nacional do Meio Ambiente, consistente em atos e medidas para conferir a observância das regras e princípios ambientais, por aqueles que praticam atividades efetivas ou potencialmente poluidoras.



As regras do licenciamento ambiental podem ser revistas por mudanças fáticas supervenientes com o caso da crise nuclear do Japão, a gerar como exemplo, portanto, das novas condicionantes ou obrigações ambientais nos outros países.



O fundamento da discricionariedade no Direito Nuclear Brasileiro de tais mudanças nas novas regras do licenciamento ambiental que podem e devem ser mais exigentes estão inseridas no artigo 19 da Resolução 237/97 do CONAMA. Pois, o poder público pode impor novas condicionantes ambientais após o acidente em Fukushima. Vale ressaltar que o termo licença ambiental não é técnico, pois representa na realidade uma autorização.



Observatório Eco: A lei brasileira prevê que a usina tenha obrigatoriamente, em caso de catástrofe nuclear um plano para salvaguardar a população, amparar os atingidos e mesmo promover a recuperação do meio ambiente do entorno? Ou o prejuízo seria de toda a sociedade?



Adriano Celestino Ribeiro Barros: Caso ocorresse hoje por hipótese um acidente nuclear no Brasil neste atual Direito Nuclear Brasileiro no início de 2011, através do artigo 8º da Lei nº 6.453/77 e do Decreto nº 911/93 consoante a dicção do artigo 4º, número 3, a República Federativa do Brasil não seria responsabilizada apenas e tão somente se fosse devido diretamente a conflito armado, a hostilidades, a guerra civil ou a insurreição pelos danos nucleares causados por acidente nuclear.



É evidente, que em tese, a Usina e o Governo brasileiros teriam obrigatoriamente, em caso de catástrofe nuclear um plano para salvaguardar a população, amparar os atingidos e mesmo promover a recuperação do entorno.



Mas, na prática, o prejuízo seria, com plena certeza, de toda a sociedade brasileira. Pois, nós não estamos preparados em nenhum aspecto para sairmos de uma situação de crise nuclear como a vivenciada pelo Japão neste início de 2011.



Aliás, país algum está capacitado para isto. O Brasil precisa urgentemente buscar uniformizar tanto a tecnologia quanto a legislação internacional e nacional com os países mais desenvolvidos e que já lidam com este tipo de energia, para minimizar ao máximo e continuamente, os riscos inerentes ao manuseio da energia nuclear em território brasileiro.